quarta-feira, 18 de março de 2020

O que é o dever - Karma Yoga

Aqui fica mais um capitulo do livro de Swami Vivekananda com o titulo Karma Yoga

parece que se encaixa neste período que estamos a atravessar mas dê uma vista de olhos e confirme por si

Capítulo 4 - O que é o dever  
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No estudo de Karma-Yoga é preciso saber o que é o dever. Se devo fazer algo, primeiramente devo conhecer meu dever. A ideia do dever é diferente em cada nação. Os maometanos afirmam que o que está escrito no Corão é seu dever; os hindus o que está nos Vedas, e os cristãos o que está na Bíblia. Vemos, pois, que há diversas ideias sobre o dever, as quais mudam segundo os estados da vida, os períodos históricos e as nações. É impossível definir claramente o termo "dever", bem como nenhum outro termo abstracto universal; só podemos fazer uma ideia do que ele representa, mediante o conhecimento de seus resultados.  

Quando certos acontecimentos ocorrem em nossa presença, experimentamos um impulso natural ou adquirido a agir de certa maneira; quando surge este impulso, a mente reflecte sobre a situação; umas vezes pensa que é bom agir de certo modo em certas condições, e outras que é injusto fazê-lo em condições idênticas. O conceito mais universal do dever é que o homem bom deve agir de acordo com a sua consciência. Porém, como se pode atribuir que um ato se converta em dever? Se um cristão encontra um pedaço de carne e não o come para salvar sua própria vida, nem para conservar a de outrem, sem duvida sentirá que não cumpriu o seu. dever. Porém, se um hindu se atreve a comê-la ou dá-Ia a outrem, com certeza sentirá também que não cumpriu o seu dever3

No século passado teve grande popularidade na Índia um bando de ladrões chamados thugs; acreditavam que seu, dever consistia em matar a todos quantos fossem ricos e tirar-lhes o dinheiro; quanto maior fosse o número de vítimas, tanto mais se estimavam a si mesmos. Porém, geralmente, se um homem sai à rua e inata um semelhante, sente remorso e percebe que praticou um mal; porém, se este mesmo homem como soldado de um regimento, mata não um, mas vinte, com certeza se sente feliz e pensa que cumpriu seu dever. Dar uma definição do dever é, pois, impossível. No entanto, existe o dever em seu aspecto subjectivo. 

Qualquer acção que nos aproxime de Deus, é boa e representa nosso dever; qualquer outra que nos afaste de Deus, é má e não representa nosso dever. Do ponto de vista subjectivo, vemos que certos actos têm tendência a exaltarmos e enobrecer-nos, enquanto que outros tendem a nos degradar e embrutecer. Mas não é possível estabelecer com certeza o resultado que determinados actos terão nas pessoas. Há, no entanto, um conceito do dever que foi universalmente aceito, em todas as idades, seitas e países, e que está sintetizado neste aforismo sânscrito: "Não façais mal a nenhum ser. Não fazer mal a ninguém é virtude; fazer mal a alguém é pecado". 

O Bhagavad-Gita alude frequentemente aos deveres que dependem do nascimento e da posição social. O nascimento, a posição na vida e na sociedade determinam, em grande parte, a atitude moral e mental dos indivíduos e as suas diversas actividades na vida. Portanto, nosso dever é praticar a acção que nos exalte e enobreça de acordo com as actividades e ideias da sociedade na qual nascemos. Devemos, porém, recordar muito particularmente que os mesmos ideais e actividades não prevalecem em todas as sociedades e países; a ignorância deste preceito é a causa principal dos ódios entre nações. O americano pensa que quando realiza um acordo segundo os costumes de seu país, este é o melhor, e quem não agir da mesma forma, é malvado. O hindu crê que seus costumes são os melhores do mundo e quem os não pratica são perversos para os seres humanos. Este erro é muito comum, porém é muito prejudicial, porque é causa da metade dos egoísmos existentes no mundo. 

Quando visitei a exposição de Chicago, alguém me tirou o turbante. Olhei o vi que se tratava de um homem muito bem vestido e de boa aparência. Falei-lhe, e como o fiz em inglês, ficou envergonhado. Noutra ocasião, achando-me no mesmo local, alguém me deu um empurrão. Quando lhe perguntei porque fazia isto, me disse envergonhado: "Por que vos vestis desta maneira?" As simpatias dos dois homens estavam limitadas à sua maneira de falar e de vestir. A opressão que as nações poderosas exercem sobre as mais débeis, é causada por este princípio: falta de fraternidade. O homem que me perguntou por que não me vestia como ele e o que me maltratou por causa do meu traje, talvez fossem bons, excelentes pais e correctos cidadãos; porém, sua bondade desapareceu diante de um homem vestido de maneira diferente. Os estrangeiros são explorados em todos os países porque não sabem como se defenderem; por isso levam à sua terra falsas impressões dos povos que visitaram. Os ma~ ridos, soldados e comerciantes se comportam de modo diferente; talvez por isto os chineses chamem aos europeus e americanos "diabos estrangeiros". Não diriam assim se conhecessem o lado bom e generoso dos ocidentais.  

Por conseguinte, devemos sempre nos habituar a observar o dever dos demais segundo o seu ponto de vista e não julgar os costumes do outros povos de acordo com os nossos usos. Devo acomodar-me ao mundo e não ele a mim. Assim, vemos que o ambiente corrige a índole de nossos deveres e o melhor que temos a fazer no mundo é cumprir nossos deveres a todo o momento. 

Cumpramos primeiramente nossos deveres naturais, e assim cumpriremos o dever correspondente à nossa posição social na vida. Existe, no entanto, um mal considerável na natureza humana. É que ninguém se observa a si mesmo. Crê ser sempre digno de ocupar um trono como o próprio rei; no entanto, mesmo que saiba cumprir primeiro os deveres de sua posição, outros lhe advirão mais elevados.  

Quando trabalhamos com entusiasmo, a natureza nos recompensa de toda a forma e logo nos coloca na posição apropriada. Nenhum homem pode ocupar por muito tempo a posição à qual não está adaptado. De nada serve queixar-se e indispor-se com a natureza. Quem executa uma tarefa inferior, nem por isto é um homem inferior. Ninguém deve ser julgado pela natureza de seus deveres, e sim pela maneira e espírito com que os executa. 

Mais tarde constataremos que a ideia de dever sofre mudanças e que a obra maior só se cumpre quando não existe nenhum motivo egoísta. No entanto, a obra realizada com um dever é a que nos faz actuar independentemente da ideia de dever. Quando a obra se converte em culto, a realizamos por amor a ela mesma. Diremos que a teoria do dever é idêntica nas outras yogas, sendo seu objectivo a atenuação do eu inferior para que o Eu superior possa brilhar; isto é, diminuir a perda de energias no mundo inferior de existência para que a alma possa manifestar-se em planos mais elevados. Isto se alcança pelo cumprimento do dever, que é a causa da perda dos desejos inferiores. A organização social vem se desenvolvendo desta forma, consciente ou inconscientemente, no campo da acção e experiência, onde, pela limitação do egoísmo, damos lugar a uma ilimitada expansão da verdadeira natureza do homem.  

O dever raras vezes é agradável; só quando o amor o impulsiona consegue evitar os atritos. Se assim não fosse, corno poderiam os pais cumprir os deveres para com seus filhos? Os esposos para com suas esposas e vice-versa? Não vemos diariamente como os seres se desentendem? O dever é agradável se realizado com amor, porém o amor não brilha em todo o seu esplendor quando se tira a sua liberdade de expressão. É livre aquele que é escravo dos sentidos, da cólera, dos ciúmes e de inumeráveis erros que ocorrem na vida humana? Em todas as asperezas que encontramos na vida, a mais alta expressão de liberdade consiste em suportá-las com paciência. As mulheres escravas de seus próprios temperamentos, irritáveis e ciumentas, estão propensas a culpar os seus maridos, e a afirmar sua "liberdade" tal como elas a entendem, ignorando que de tal modo provam ser escravas.  
A castidade é a primeira virtude do homem e da mulher, e é muito raro o homem que, por extraviado que esteja, não seja atraído por uma terna e casta esposa. O mundo não é, apesar de tudo, tão mau como parece. Muito se fala de maridos brutais e de impureza dos homens, porém, não é certo que existe o mesmo número de mulheres brutais e impuras? Se as mulheres fossem tão boas e puras como o são as suas frequentes afirmações, seguramente não haveria no mundo um só homem impuro. Que brutalidade existe que não possa ser conquistada pela castidade e pureza? Uma boa e casta esposa para quem todos os homens, excepto seu esposo, são como filhos, e que assume para todos eles uma atitude de mãe, se tornará tão, grande no poder de sua pureza que não haverá uni só homem, por brutal que seja, que não sinta uma atmosfera de santidade em sua presença. Do mesmo modo, cada homem deve olhar todas as mulheres, excepto a sua, como olharia sua própria mãe, filha ou irmã. De outro lado, o honrem que ministre religião deve considerar todas as mulheres como se fossem sua própria mãe, e portar-se diante delas como um filho. 

A posição da mãe é: a mais elevada do mundo, pois é o único posto onde podemos aprender e praticar o altruísmo. O amor a Deus é o único que supera o amor de mãe; todos os demais são inferiores. O dever da mãe é pensar primeiro em seus filhos e depois em si mesma. Mas, se os pais pensam primeiramente em si mesmos, o resultado se, rã que entre pais e filhos se estabelece a mesma relação que entre os pássaros e sua descendência, os quais logo que podem voar, desconhecem os pais. 

Bendito, em verdade, é o homem que pode olhar todas as mulheres como a representação da maternidade de Deus. Benditas, em verdade, as mulheres para as quais os homens representam a paternidade de Deus. Benditos os filhos que consideram seus pais como a Divindade manifestada na terra. 18  

A única maneira do homem progredir é cumprir os deveres com os mais próximos, e deste modo ir acumulando forças para poder ir mais alto. Um jovem sannyasin foi a um bosque; ali meditou, adorou e praticou yoga por muito tempo. Depois de alguns anos de rude trabalho, achando-se um dia sentado sob uma árvore, caíram sobre sua cabeça umas folhas secas. Olhou para cima e avistou um corvo e uma gralha que discutiam no alto da árvore. Muito contrariado, lhes disse: "Como vos atreveis a atirar estas folhas secas sobre a minha cabeça?, e como ao pronunciar estas palavras os olhou colérico, de sua cabeça saiu um raio de fogo que converteu os pássaros em cinza. Sentiu-se então muito feliz pelo desenvolvimento desse poder; podia fulminar um corvo e uma gralha só com um olhar. Passado algum tempo, precisou ir à cidade mendigar pão. Chegou à porta de uma casa e disse: "Mãe, dá-me de comer?" Ao que respondeu uma voz: "Espera um pouco, filho meu". O jovem pensou: "Desgraçada mulher, como vos atreveis a fazer-me esperar? Ainda não conheceis meu poder". Enquanto pensava isto, ouviu-se de novo a voz que dizia: "Menino, não vos envaideçais tanto, pois aqui não há corvos nem gralhas". 

O sannyasin, todo assombrado, ficou esperando. Por fim, apareceu uma mulher, e ele, caindo a seus pés, lhe disse: "Mãe, como sabias isto?" E ela respondeu: "Filho meu, eu não conheço vossa yoga nem vossas práticas. Sou uma mulher vulgar. Filo esperar porque meu marido está doente e o estava atendendo. Toda a minha vida me esforcei por cumprir meu dever. Quando era solteira, cumpria meus deveres para com os meus pais; agora, que sou casada, cumpro meus deveres como esposa; esta é toda a yoga que pratico. Todavia, cumprindo o meu dever, cheguei a ser iluminada; por isto posso ler vossos pensamentos e saber o que haveis feito no bosque. Se quereis saber algo de mais elevado, ide ao mercado da cidade e ali encontrareis um vyadha4, que vos ensinará algo que devereis saber". O sannyasin pensou: "Para que hei de ir a esta cidade para ver um vyadha?" Mas depois resolveu ir. Quando chegou à cidade, encontrou um mercado a certa distância e viu um carniceiro grande e gordo que cortava a carne com uma enorme faca, falando e comerciando com várias pessoas. O jovem disse: "Valha-me, Senhor. É este o homem de quem tenho de aprender? Parece a encarnação do demônio". 

 O homem o olhou e disse: "Olá, swami! Fostes mandado aqui por aquela senhora? Sentai-vos um pouco até que eu termine minhas obrigações". O sannyasin pensou: "O que irá me acontecer?" Sentou-se. O homem continuou seu trabalho, e uma vez terminado, pegou o dinheiro e disse ao sannyasin: "Vinde, Senhor; vinde à minha casa". Quando chegaram, ele lhe ofereceu um assento e lhe disse: "Esperai-me aqui", e foi para o interior da casa. Aí, lavou seus velhos pais, deu-lhes de comer e fez tudo quanto foi possível por agradá-los, depois do que se voltou para o sannyasin e perguntou: "Que posso eu fazer por vós?" O sannyasin lhe fez algumas perguntas relativas à alma e a Deus, e o vyadha lhe deu para ler um fragmento do Mahabarata chamado o Vyadha Gita, que contém um dos mais belos ensinos da Vedanta. Quando o vyadha terminou seu ensinamento, o sannvasin ficou assombrado. Então lhe perguntou: "Com um conhecimento corno o vosso, como é que estais no corpo de um vyadha cumprindo tão horrível trabalho?" "Filho meu", replicou o vyadha, "nenhum dever é feio, nenhum impuro. Meu nascimento me colocou neste ambiente. Em minha infância aprendi o comércio; estou desligado e trato de cumprir o meu dever. Procuro cumpri-lo como chefe de família, e também fazendo todo o possível por tornar felizes meus pais. Não conheço vossa yoga, nem sou sannyasin, nem abandono o mundo para ir aos bosques; no entanto, tudo o que tendes visto e ouvido, é o que recebo, por cumprir ,desligadamente o meu dever; é o que corresponde à minha posição".  

Conheço na Índia um Sábio, um grande yogue, um dos homens mais assombrosos que vi em minha vida. É original; não ensina ninguém; se lhe fazeis uma pergunta, não responde, pois não quer assumir a atitude de mestre; porém, se esperais alguns dias, no curso de uma conversação fará que esta recaia sobre o assunto e projectará sobre ela irmã luz maravilhosa. Comunicou-me uma vez o segredo da acção: "Que o fim e os meios se associam". Quando fizerdes qualquer trabalho, não penseis em outra coisa. Leva-lo ao fim, como um ato de adoração, como se cumprísseis o mais elevado culto, e concentrai nele toda vossa vida.  

Assim, no conto que acabo de referir, o vyadha e a mulher cumpriram seu dever com alegria 'e boa vontade, resultando da a conquista da iluminação. Isto demonstra claramente que a reta execução dos deveres em qualquer esfera da vida, sem pensar nos resultados, conduz à mais alta realização da perfeição da alma. 4 Hindus caçadores e carniceiros. 19 

O trabalhador que se liga aos resultados é o que se queixa da natureza do dever que lhes coube pelo destino. Para o trabalhador desligado, todos os deveres são igualmente bons e constituem eficazes instrumentos para destruir o egoísmo e a sensualidade, e também para assegurar a independência da alma. É comum super estimarmos nossos méritos. Nosso deveres são proporção muito maior do que estamos dispostos a confessar. A competição desperta a inveja e mata a vontade. Para os descontentes, os deveres se tornam desagradáveis; nada os satisfaz e sua vida redunda num fracasso. Continuemos trabalhando, cumprindo o nosso dever, à medida que vamos avançando, e então, com segurança, conseguiremos ver a Luz!

terça-feira, 17 de março de 2020

Não é ao mundo que ajudamos mas sim a nós mesmos

Aqui vou deixo um capitulo do Karma Yoga do swami Vivekananda para ler pela sua actualidade 
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Capitulo 5 - Não é ao mundo que ajudamos, e sim a nós mesmos  

Antes de considerar com maior extensão a forma pela qual a devoção nos auxilia em nosso progresso espiritual, permiti-me que abra um breve parêntese para outro aspecto do que na Índia entendemos por karma. Todas as religiões constam de três partes: filosofia, mitologia e ritual. A filosofia é, primeiramente, a essência da religião; a mitologia a explica mediante as vidas mais ou menos legendárias dos grandes homens, as histórias e os relatos de acontecimentos surpreendentes. etc., e o ritual dá ã esta filosofia uma forma ainda mais concreta, com o fim de que todos a possam interpretar. 

 O ritual é karma obrigatório em toda a religião, pois muitas pessoas não podem compreender as coisas espirituais abstratas, senão depois de terem alcançado o suficiente desenvolvimento espiritual. É fácil pensar que podemos compreender tudo, porém quando chega o momento de pormos em prática nosso conhecimento, vemos que é mui difícil entendermos as idéias abstratas. Portanto, os símbolos constituem um poderoso auxiliar, que não podemos abandonar. Desde tempos imemoriais, os símbolos foram usados Por todas as religiões. Em certo sentido, não pensamos a não ser por meio de símbolos; acaso não são as Palavras símbolos do pensamento? E ainda podemos dizer que o próprio universo é um símbolo que oculta Deus. Esta simbologia não é mera concepção da Mente humana. A simbologia religiosa é resultante de um crescimento natural, e se assim não fosse, como é que determinados símbolos estão indissoluvelmente associados a determinadas idéias? Certos símbolos são universalmente conhecidos. Muitos de vós pensam que a cruz nasceu com o Cristianismo. Porém é um fato comprovado que antes do Cristianismo existir, antes de Moisés ter nascido ou que Os Vedas fossem conhecidos, antes de se registrar qualquer conhecimento, já existia este, símbolo.  

Sabe-se que a cruz esteve entre os astecas e fenícios; e que, todas as raças a conheceram. Além disto, o símbolo do Salvador crucificado parece haver sido conhecido em todas as nações. O círculo f à símbolo muito importante em todo o mundo. Por outro lado, existe o símbolo mais universal de todos, que é a cruz esvástica5

 Durante certo tempo acreditou-se que fosse criação dos budistas, porém descobriu-se que já era conhecido na Babilônia e no Egito. O que demonstra isso i Que estes símbolos não podem ser meros sinais convencionais; deve existir alguma associação natural entre eles e a mente humana. A linguagem não é convencional; as idéias se correspondem com as palavras de maneira natural. Os símbolos que representam idéias podem ser sons e cores. Os surdos-mudos devem pensar mediante símbolos que não são sons. Cada pensamento cria uma forma específica; isto se chama na filosofia sânscrita nainarupa nome e forma. É tão impossível criar convencionalmente um sistema de símbolos como criar uma linguagem. 

 Nos símbolos ritualistas conservamos uma expressão do pensamento religioso da humanidade. É fácil dizer que são inúteis os rituais, templos e outros elementos de adorno; até as crianças podem fazer esta afirmação. Mas é fácil comprovar que aqueles que se ligam aos templos são algo diferentes daqueles que se abstêm de fazê-lo. Por conseguinte, associar-se a um determinado templo, a rituais e outras formas concretas das religiões, tende a despertar na mente de seus devotos as idéias simbolizadas por essas coisas concretas; e não se ignora que todos os rituais são simbólicos. O estudo e a prática destas coisas fazem parte de Karma-Yoga. 5 

5 A cruz esvástica é o símbolo da divina energia criadora, em perpétua atividade, Representa-a girando vertiginosa e poderosamente da esquerda para a direita, como o denotam Seus braços recurvades para a esquerda. Não se deve confundida com a cruz gamada (suástica), símbolo das forças negras ou destruidores; seus braços recurvados para a direita (ao contrário dos da esvática), figuram um movimento inverso ao da evolução ou oposto à Vontade Divina.

No entanto, esta ciência da acção possui muitos outros aspectos. Um deles é conhecer a relação entre o pensamento e a palavra, e quanto pode ser adquirido mediante o poder desta. Em todas as religiões é conhecido o seu poder, e até mesmo alguns afirmam que a criação teve origem na palavra. O aspecto externo do pensamento de Deus é a palavra; e como Deus pensou e quis antes de criar, a criação é resultante da palavra. Na violência e precipitação da vida materialista, nossos nervos endureceram e perderam a sensibilidade. Quanto mais velhos somos e mais experiências adquirimos, mais insensíveis nos tornamos, e terminamos por não fazer caso das coisas que nos rodeiam.  

A natureza humana primeiro se impõe algumas vezes e nos leva a inquirir e considerar alguma destas ocorrências; esta reflexão é o primeiro passo para a luz. Além do alto valor filosófico e religioso da Palavra, vemos que os símbolos sonoros desempenham papel importante no drama da vida humana. Eu vos falo, porém não vos toco; as vibrações do ar causadas por minhas palavras vão aos vossos ouvidos, tocam vossos nervos e produzem efeitos em vossa mente. Não podeis impedir isto. Pode haver algo mais assombroso? Um homem chama outro de néscio; este se põe de pé, cerra os punhos e lhe dá uma bofetada. Vede o poder da palavra. Uma mulher chora desconsolada; outra passa e lhe dirige palavras de consolo; o desesperado aspecto da aflita desaparece e começa a sorrir. Pensai no poder destas palavras.  

Agi com potente energia, tanto na mais elevada filosofia como na vida prática. Noite e dia manipulamos inconscientemente esta força, sem tratar de indagar sua essência. Conhecer a natureza desta força e utilizá-la corretamente também é uma parte de Karma-Yoga. 

 Nosso dever para com os outros baseia-se em ajudá-los, fazer bem ao mundo. Por que devemos fazer bem ao mundo? Aparentemente para ajudarmos a nós próprios. Tratar de ajudar o mundo deveria ser nossa mais elevada aspiração; porém, se pensarmos um pouco, veremos que o mundo não precisa de nosso auxílio. Este mundo não foi criado para que vós e eu o ajudássemos. Uma vez li um sermão que dizia: "O mundo é muito bom porque nos oferece a oportunidade de ajudar os demais". A primeira vista este sentimento é muito belo; porém, não é unia blasfêmia dizer que o mundo precisa de nosso auxílio? Não podemos negar que há muita miséria nele; socorrer o próximo, portanto, é o que de melhor podemos fazer, ainda mesmo que saibamos que a única coisa que nisso fazemos é auxiliarmos a nós mesmos.  

Quando eu era criança, tinha uns ratos brancos e os guardava em uma caixa munida de umas rodas feitas de modo que, quando os ratos andavam nela, as rodas giravam incessantemente e os ratos ficavam no mesmo lugar. É o que acontece ao mundo com o nosso auxílio. O único auxílio positivo consiste em nos obrigar a uma ginástica moral. O mundo não é nem bom nem mau; cada homem constrói um mundo para si mesmo. Se um cego principia a pensar no mundo, o suporá frágil ou duro, frio ou quente. Constituímos uma massa de felicidade e infortúnio; podemos observar isto centenas de vezes. 

Geralmente os jovens são otimistas e os velhos pessimistas. O jovem tem a vida ante si, e o velho se queixa porque envelheceu mais um dia; centenas de desejos que não puderam ser satisfeitos fervem em sus corações. No entanto, ambos estão em condições idênticas. A vida é boa ou é má, segundo as atitudes mentais com que a observemos; por si mesma, não é nada. O fogo, por si mesmo, não é bom nem mau. Quando nos dá calor, dizemos: "Que bom fogo!" Quando nos queima o dedo, o maldizemos. Segundo o uso que dele façamos, produz em nós uma sensação agradável ou desagradável. O mundo é perfeito. Por perfeição entendemos aquilo que está admiravelmente adaptado a seus fins. Podemos estar seguros de que caminhará completamente bem sem nossa ajuda, e que não tem necessidade de que percamos a cabeça por sua causa. 

Todavia, precisamos praticar o bem; o desejo de fazer o bem é o que de mais elevado podemos aspirar, desde que aceitemos o princípio de que é um grande privilégio ajudar os outros. Não vos coloqueis num alto pedestal, com uma moeda na mão, enquanto dizeis: "Tornai, pobre homem". Agradecei mais do que o pobre, pois deste modo tivestes a oportunidade de ajudar a vós mesmo, ajudando o pobre. O beneficiado não é quem recebe, e sim aquele que dá. Agradecei àqueles que vos deram a oportunidade de ser benevolente e misericordioso, pois só assim chegareis neste mundo a ser puro e perfeito. To_ das as boas ações nos levam à pureza e perfeição. Que de melhor podemos fazer? Construir um hospital, abrir estradas, erguer asilos de caridade, organizar uma festa de beneficência e reunir dois ou três milhões de dólares, edificar um hospital com um milhão, com o segundo dar bailes e beber champanha e com o terceiro deixar que os administradores roubem a metade, e o resto, finalmente que chegue aos pobres. Que representa isto? Um golpe de vento destrói tudo em cinco minutos. 21 

 Que devemos então fazer? Uma erupção vulcânica pode arrasar os nossos hospitais e nossas estradas. Abandonemos esta conversa inútil de querer fazer bem ao mundo; ele não precisa do vosso auxílio nem do meu; no entanto, devemos fazer o bem constantemente, porque isto constitui uma bênção para nós. Esta é a única maneira de chegarmos a ser perfeitos. Nenhum dos mendigos que temos auxiliado, nos devem um só centavo; ao contrário, somos nós que lhes devemos o favor de nos terem permitido ajudá-los. É erro pensar que nós temos o poder de fazer bem ao mundo, ou acreditar que auxiliamos tais ou tais pessoas. É um pensamento falso, e os pensamentos falsos produzem miséria. 

Imaginemos um homem que ajudou seu semelhante e espera recompensa, e como este não lhe foi grato, ele se sente infeliz. Por que devemos esperar a recompensa daquilo que fazemos? Agradecei ao homem que permitiu ser ajudado, considerando-o um Deus. Não é um grande privilégio sermos permitido adorar Deus ajudando nossos semelhantes? Se estivéssemos verdadeiramente desligados, nos livraríamos desta expectativa e poderíamos praticar no mundo muito trabalho útil. Nunca traz infelicidade nem miséria a ação realizada sem se esperar recompensa. O mundo continuará com suas tristezas e alegrias por toda a eternidade. 

Havia um pobre homem que necessitava de certa importância em dinheiro e, não se sabe como, tinha ouvido dizer que se ele pudesse se utilizar dos serviços de um gênio, poderia obrigá-lo a trazer-lhe dinheiro e tudo quanto desejasse. Por isto estava ansioso por encontrar algum, e saiu em busca de alguém que lhe facilitasse os meios de conseguí-lo. Finalmente, topando com um sábio que possuía poderes, pediu-lhe auxílio. O sábio perguntou-lhe por que desejava um gênio, "É para trabalhar para mim; ensina-me como posso obtê-lo, senhor, porque necessito muito", replicou o homem. O sábio disse: "Não vos inquieteis; ide à vossa casa". 

 No dia seguinte o nosso homem foi novamente ver o sábio e tornou a suplicar-lhe: "Daí-me um gênio; eu preciso de um gênio, senhor; ajudai-me". Por fim o sábio se cansou e lhe disse: "Tomai este talismã, repeti tal palavra mágica e vos aparecerá um gênio que fará tudo que lhe determinardes. Mas tende cuidado; são seres terríveis e devem estar constantemente ocupados; se deixardes de lhe dar trabalho, ele vos tirará a vida". O homem replicou: "Isto é fácil, dar-lhe-ei trabalho para toda a minha vida". Foi ao bosque e depois de repetir várias vezes a palavra mágica, um enorme gênio se lhe apresentou e disse: "Eu sou o gênio, e fui conquistado por vossa magia; deveis Ter-me ocupado constantemente, senão vos matarei". O homem lhe ordenou: "Construi-me um palácio". "Já está construído", lhe disse. "Traz-me dinheiro", disse logo. "Aqui está o dinheiro", respondeu-lhe o gênio. "Abre este monte e edifica uma cidade neste lugar". "Já está feita” , replicou; "que quereis mais?" Então o homem começou a temer, por não ter nada mais para mandar fazer, pois o gênio fazia tudo num momento. O gênio não esperou: "Ou me dais serviço ou vos mato", lhe disse.  

O pobre homem estava aterrorizado; não havia ocupação para dar-lhe; todo assustado, correu à casa do sábio e lhe suplicou: "Oh! Senhor, salvai-me a vida". E como este lhe perguntasse o que acontecia, lhe respondeu: "Não tenho nada mais para mandar o gênio fazer; tudo o que lhe ordeno, fá-lo num momento, e ameaça matar-me se eu não lhe der mais trabalho". Naquela hora chegou o gênio: "Vou matar-vos", exclamou e se dispôs a fazê-lo. 'O homem começou a tremer e a rogar ao sábio que lhe salvasse a vida. Este lhe disse: "Eu vou encontrar-vos uma saída. Observai aquele cão que tem a cauda enrolada. Tirai rapidamente vossa espada, cortai-a e mandai o gênio endireitá-la". O homem assim fez. O gênio pegou a cauda e com muito jeito conseguiu endireitá-la, porém, sempre que a largava, ela se enrolava de novo. Durante dias inteiros endireitava a cauda e esta tornava a enrolar-se, até que por fim exclamou: 

 "Jamais me vi em tal aperto; sou um velho e veterano gênio, porém nunca me vi em tão grande dificuldade. Vou propor-vos um trato: permiti que me retire e vos deixarei tudo o que já vos dei, comprometendo-me a não vos fazer mal algum". O homem ficou contente e o aceitou alegremente. 

 Este mundo se parece com a cauda enroscada do cão: as pessoas têm lutado para endireitá-la durante centenas de anos, porém quando a soltam, ela se enrola de novo. Como poderia ser de outro modo? Todos têm que aprender primeiro a agir sem se ligar à ação; então já não será um fanático. Quando compreendermos que este mundo é como a cauda enrolada do cão, que nunca se endireitará, então não seremos fanáticos. Se não houvesse fanatismo no mundo, este progrediria mais rapidamente. É um erro crer que o fanatismo pode contribuir de algum modo para o progresso do gênero humano; ao contrário, é uma peçonha que, criando ódios e cóleras, é a causa das pessoas lutarem entre si, tornando-se insensíveis à .compaixão. 22  

Pensamos que tudo quanto fazemos ou possuímos é o melhor do mundo, e que o que não fazemos nem possuímos não tem valor. Assim, recordai-vos do exemplo da cauda enrolada, para evitar vos tornardes fanáticos. Não tendes necessidade de vos atormentar nem de perder o sono por causa do mundo; seguirá seu caminho sem vós. Somente quando tiverdes evitado o fanatismo, agireis bem. É o homem mentalmente equilibrado, de juízo sereno e capaz de experimentar simpatia e amor, que faz boa obra e se favorece a si mesmo. O fanático é néscio e não sente; jamais pode modificar o inundo nem se tornar puro e perfeito.  

Em síntese, os principais pontos deste capítulo são: Primeiro, recordar que somos devedores do mundo e que este nada nos deve. É um grande privilégio para nós sermos permitido fazer algo pelo mundo. Ao ajudá-lo, em realidade nos ajudamos a nós mesmos. Segundo, que há um Deus neste universo. Não é certo que este universo flutue sem destino e tenha necessidade do vosso auxílio ou do meu. Deus está sempre presente nele. É imortal, eternamente ativo e infinitamente vigilante. Quando todo universo dorme, Ele permanece velando; age incessantemente; as mudanças e manifestações do mundo são obra Sua. Terceiro, não devemos odiar ninguém. Este mundo continuará sempre sendo uma mistura de bem e de mal.  

Nosso dever é simpatizar com os débeis e amar, inclusive, os malfeitores. O mundo é um grande ginásio moral, onde devemos exercitar-nos para ser cada dia mais fortes espiritualmente. Quarto, não devemos ser fanáticos, porque o fanatismo é oposto ao amor. Ouvireis continuamente que os fanáticos dizem: "Eu não odeio o pecador e sim o pecado"; porém estou disposto a ir a qualquer parte, por longe que seja, para encontrar o homem realmente capaz de distinguir entre o pecado e pecador. É muito fácil dizer. Se pudéssemos distinguir bem entre qualidade e substância, poderíamos chegar a ser perfeitos. Não é fácil fazê-lo. E quanto mais tranqüilos formos e menos alterados estiverem os nossos nervos, mais amaremos e melhor agiremos.