Antar mouna: o silêncio Interior
Antar significa interno, mouna significa silêncio.
Paz, felicidade, harmonia. Quem está habilitado a experimentar estes
estados? Muitas pessoas hoje em dia estão-se esforçando para experimentá-los na
sua mente. Influenciados pelas suas condições e oprimidos pelas pressões do
dia-a-dia, vivendo numa sociedade cada vez mais stressante, os seres humanos
estão cheios de tensões mentais, que se manifestam em ansiedade, nervosismo,
culpa, falta de autoconfiança, solidão, medo, obsessões e fobias. Muitos se
voltam para as drogas,para o álcool, para o jogo ou mesmo para uma dependência da web como um meio temporário de fuga e consolo.
Outros buscam a ajuda dispendiosa de psiquiatras e psicoterapêutas para tentar
enfrentar. Todos estão à procura alguma forma de mudança, um pequeno alívio
para seus conflitos internos e tumultos. Alguns buscam sentir-se à vontade com
seus problemas, ou até mesmo experimentar, se não felicidades, pelo menos um
pouco de paz e contentamento.
Os que procuram e praticam a meditação o
que lhes habilitará relaxar estas opressivas tensões mentais e tornar-se seus
próprios terapeutas no processo.
Antar significa interno, mouna
significa silêncio. Antar-mouna é uma técnica para levar ao pratyāhāra
(retirada da mente dos objectos sensoriais), o quinto estágio do rāja-yoga,
e em sua forma última ou completa pode levar a dhāraṇā (concentração) e dhyāna (meditação). Antar-mouna é
também uma parte fundamental do Budismo, na prática conhecida como vipassana.
Purificando ou purgando a
mente
Geralmente nós tendemos a permitir que bons
pensamentos surjam na nossa percepção consciente; nós aceitamos e desfrutamos
pensamentos agradáveis. Quando um pensamento desagradável, doloroso ou uma
lembrança ruim surgem, nós tendemos rapidamente a puxá-los para baixo, para um
estado subconsciente da mente. Isso é repressão e todos nós fazemos isso. Todo
mundo tem repressões mentais. Frequentemente nós estamos condicionados a isso
desde a infância, porém, reprimir os pensamentos de que não gostamos
definitivamente não é a resposta ou solução. Todo pensamento reprimido que
permanece sem expressão causa um bloqueio no livre fluxo da mente. Os
pensamentos e experiências ficam submergidos no reino subconsciente da mente em
forma latente, causando dor, infelicidade e frustrações na vida.
Estas impressões subtis são conhecidas como saṃskāras. Sem nos
darmos conta, nós acumulamos uma vasta quantidade de pensamentos reprimidos, o
que produz muitas tensões e distúrbios na mente e na personalidade sem uma
causa aparente. Felicidade duradoura e
paz mental, são estas as impressões mentais que devem ser plantadas. Isto
pode ser comparado como jardinagem. Nós removemos as indesejáveis ervas
daninhas da mente. Se nós simplesmente capinamos a superfície, após um alívio
temporário, as ervas daninhas retornarão. Todavia, quando nós cavamos
profundamente e puxamos a raiz da erva daninha, ela perde sua sustentação e
pode ser removida completamente.
Se guardarmos rancores na mente, essas impressões mentais negativas
envenenam o psicológico e levam a irritabilidade, agressão, raiva, depressões
não específicas, preocupação, um medo infundado e um cansaço permanente. Isso
afecta todas as nossas interacções na vida e reduz nossa habilidade de
eficiência, criatividade e dinamismo em todos os níveis de nossas vidas.
Antar-mouna permite-nos esgotar estes
pensamentos indesejáveis, provê um meio de purgar ou purificar a mente. Uma vez
que estas tensões mentais são libertadas, nós podemos experimentar o aparecimento
de energias e inspirações novas, e a vida começa a tomar uma nova dimensão. Da
mesma forma que nós limpamos nossas casas e o corpo físico todos os dias, nós
também devemos desenvolver o hábito de limpar a mente a cada dia, prevenindo a
acumulação de mais sujidades ou entulhos mentais. Para isto, é necessário
repetir este processo de limpeza numa base consistente e regular.
A prática de antar-mouna é dividida em seis estágios. Para muitas
pessoas, os primeiros três estágios proporcionam muito trabalho, e, para obter
seus benefícios, uma considerável quantidade de tempo deve ser empregada
praticando e aperfeiçoando estes três primeiros estágios antes de tentar ir
para os estágios mais avançados, que só serão apresentados resumidamente neste
texto.
1º estágio - consciência
das percepções sensoriais
O 1º estágio de antar-mouna está relacionado com as percepções
sensoriais dos estímulos externos. A consciência é conscientemente
direccionada para o foco dos sentidos: observamos o paladar, o olfacto, o toque
do corpo ao solo, das roupas sobre a pele e então direccionamos a consciência
para todos os diferentes tipos de sons que nos chegam, sem analisá-los ou
nomeá-los, simplesmente testemunhando a qualidade dos sons. Nós estamos a falar
que isso é uma técnica de pratyāhāra, mas a esterilização da nossa consciência
que pode parecer à primeira vista um paradoxo. Por que estamos a fazer isso?
Porque se nós tentarmos eternizar nossa consciência directamente, o que
acontece? Instantaneamente o macaco
da mente salta para fora e distrai-se com os sons externos, ou cheiros ou as
sensações corporais etc. Primeiro, temos de experimentar toda a extensão da consciência
nos órgãos sensoriais. Nós temos de saber o que são eles e como eles nos
afectam, ou como nós reagimos a eles. Três factores estão envolvidos: 1 os objectos externos de percepção (tanmātras
– qualidades sensíveis – odores, sabores, sons, e estímulos tácteis como
temperatura, pressão etc.); 2 os
órgãos de percepção exteriores (os jñānendriyas: pele, nariz, orelhas,
olhos e língua); e 3 a percepção
interior – draṣta (testemunha)
– o que conhece e observa dentro de nós: eu
conheço eu estou ouvindo os sons exteriores e eu sei que eu sei. Esta é a
forma que a consciência pode
tomar.
A conclusão do estágio 1 resulta no aumento da consciência de todas
as percepções sensoriais, permitindo, por exemplo, que o sentido de audição se
torne como um radar, rastreando desde os sons mais grosseiros até os sons mais
subtis, possibilitando tornarmo-nos mais atentos (conscientes) ao nosso
meio ambiente na vida diária. Todavia, o propósito deste estágio é reduzir a
influência dos estímulos externos sobre nossa percepção. É um caso de
desinteresse pelo que é familiar. A consciência e a percepção intencional
intensa do mundo exterior automaticamente leva ao desinteresse. A mente se
aborrece tendo que gerir todas as possíveis distracções e assim cessa de se
envolver com interesses ou distracções externas. Nós desenvolvemos a capacidade
de permanecer centrados, distanciados, completamente indiferentes a qualquer
coisa vinda da nossa envolvente. Então, o estágio 1 induz ao primeiro nível de pratyāhāra, isto é, dissociação dos sentidos e mergulho no mundo interior,
preparando-nos para iniciar o segundo estágio.
2º estágio - consciência
do fluxo espontâneo dos pensamentos
Neste estágio, nós deixamos o mundo exterior e voltamo-nos para o
interior para trabalhar com a mente. Nós sentamo-nos de maneira relaxada e
começamos a observar a mente. O objectivo é observar e esgotar os saṃskāras,
pensamentos negativos, experiências, fobias, antigas memórias, emoções e medos,
isto é, escombros inúteis, que surgem de dentro da mente subconsciente. A
prática regular deste estágio limpa a mente de antigas impressões negativas e
previne o acumulo de novas impressões desta ordem.
O 2º estágio tem três condições: a primeira é permitir à mente total
liberdade para pensar qualquer coisa que quiser, sem nenhuma restrição.
Permitir todos os pensamentos borbulharem espontaneamente na superfície,
estando atento às emoções ou sentimentos correspondentes, especialmente medo,
pânico, cobiça, luxúria, culpa, ódio ou raiva. Não deve haver controle,
julgamento ou crítica a nenhum pensamento – eles podem ser sobre trabalho,
família, comida, sexo, amigos, inimigos, coisas de que você gosta, coisas de
que não gosta, triviais ou importantes, sublimes e belos ou violentos.
Alguns pensamentos podem estar encadeados, outros surgirão ao acaso.
Algumas vezes pode haver uma corrente de pensamentos, outras vezes pode haver
apenas uma gota. Nada disso importa, o importante é a segunda condição que é
nos possamos manter absolutamente vigilantes e atentos ao fluxo espontâneo de
pensamentos. Fazemos isso com o objectivo de desenvolver constantemente nossa
capacidade de testemunhar, como se nós estivéssemos assistindo à TV ou um vídeo,
um observador ou espectador não envolvido, observando o fluxo de imagens,
pensamentos e eventos com distanciamento.
Durante a prática deste estágio, nós começaremos a observar as
diferentes tendências da mente. Poderemos ver como nós reprimimos pensamentos
ou emoções. Quando fazemos isso, nós podemos estar certos de que os pensamentos
ou impressões retornarão à superfície com força ainda maior que quando foram
reprimidos (isso pode ser comparado a empurrar um brinquedo insuflável para
debaixo da água). Testemunhando como nós mantemos reprimidos certos pensamentos,
descobriremos quão facilmente nós podemos perder nosso Ser com nossos processos
mentais, observando que talvez nós tenhamos alguns padrões de pensamentos
repetitivos. A mente pode ser extremamente difícil. Ela ama um bom filme
triste, por exemplo, e pode manifestar a tendência de repetir um certo vídeo traumático vez após vez, sabendo
que conseguirá uma boa reacção emocional a cada vez. Observando o jogo da mente
com uma atitude de testemunha, estes pensamentos começam a perder sua força
emocional, e, com isso, muitas experiências dolorosas podem gradualmente ser
erradicadas.
Depois de algum tempo com este estágio, dando à mente esta liberdade de se
expressar espontaneamente, a torrente de falas começa a diminuir. A mente
começa a se tornar mais calma. Isto não deveria ser confundido com o silêncio
interior, é um estado de sonolência, que frequentemente acontece, especialmente
com iniciantes. A tendência de dormir
quando se pratica antar-mouna é
a forma clássica da mente se defender de alguma coisa que ela não quer
confrontar. Isto é como se a mente reconhecesse que alguma coisa diferente
está acontecendo, que você está tomando controle por se perguntar: o que eu estou pensando agora? e então
repentinamente a mente se aquieta. Não há pensamentos.
Não se engane pensando que este silêncio é uma conquista, é somente outra
forma mais subtil de repressão. Só espere pacientemente por um curto espaço de
tempo, imagine-se a olhar para uma estrada vazia e curiosamente o palavrório
mental continuará.
A terceira condição é coragem, abertura e honestidade para defrontar com
ocultas e suprimidas partes de nossa personalidade que serão reveladas para nós
através do antar-mouna. É possível que seja alguma beleza, uma parte
amorosa de nós mesmos que tem estado adormecida, ou talvez alguma coisa feia,
obscura que tem de ser vista.
Fazendo isso, nós aprenderemos a entender a natureza de nossa mente e suas
várias facetas, nos tornamos amigos da mente e nos tornamos atentos a ela, e
observamos nossas reacções emocionais a diferentes pensamentos. Esse processo torna-nos capazes de nos aceitar totalmente, não como nós gostaríamos de ser,
mas como realmente somos.
3º estágio - criação e
ordenamentos dos pensamentos
No terceiro estágio de antar-mouna, nós conscientemente criamos e
ordenamos pensamentos à vontade. Isto é o oposto do estágio dois. Agora
pensamentos espontâneos não devem ser permitidos. Você escolhe um tema ou
pensamento, então, reflecte sobre ele durante algum tempo, gerando tantos pensamentos
quanto possível relacionados apenas com o tema escolhido, olhando para o
assunto de todos os ângulos e ponderando sobre ele. Se outra pessoa está
envolvida, considere o tema do ponto de vista dela também. Após alguns minutos,
este tema ou pensamento é rapidamente retirado da mente, como quando um director
de cinema dá a ordem corta, quando a
sena termina, e outro tema é escolhido. Isso pode ser repetido muitas vezes,
escolhendo um assunto diferente a cada vez. Ao praticante é pedido escolher
confrontar assuntos difíceis, negativos, em lugar de pensamentos inconsequentes
que tenderão a ser uma perda de tempo.
Neste estágio, é realmente possível trabalhar num nível
psicoterapêutico. Embora o estágio dois ajude a relaxar tensões mentais
permitindo que elas surjam sem inibições, há muitos pensamentos subconscientes
que estão normalmente retidos em regiões inacessíveis da mente, firmemente
fixados e enraizadas e não surgem espontaneamente. Neste estágio, o pensamento
ou tema escolhido incitam vários outros pensamentos associados. Estes
pensamentos conscientemente criados incitam e atraem pensamentos mais fundos e
recordações. É como se fosse uma pescaria. A mente é iscada com um pensamento.
A isca é posta dentro da água (mente subconsciente) e atrai outros peixes
(pensamentos ou impressões enraizadas inconscientemente) que são fisgados,
expostos e então libertados. Isto liberta os nós e bloqueios psico neurais.
Quando estas memórias e pensamentos são confrontados e integrados, eles perdem
sua força e peso emocional. Isso nos conduz a uma claridade, maior compreensão
de nós mesmos e poderosa cura interior.
4º, 5º e 6º estágio -
Estes estágios são níveis muito avançados, e será um desperdício de tempo
tentar praticá-los antes de estar bem treinado nos três primeiros estágios. No
quarto estágio, a consciência e o ordenamento de pensamentos espontâneos
sofrem um refinamento. Agora, muitos pensamentos negativos e distúrbios mentais
devem ter sido esclarecidos. A mente deve estar calma neste estágio. Os
pensamentos serão de uma qualidade diferente, surgindo de um espaço mais
profundo ou mais subtil. Uma nova dimensão da pessoa que pratica pode ser
revelada aqui, o nível psíquico. Não se deve prender ou apegar-se ao que surge
neste nível. Esse distanciamento é necessário para que não haja distracções.
Quando se entra nestes novos territórios, a capacidade de testemunho deve
ser forte. Gradualmente, a mente torna-se mais refinada e lúcida. No 5º estágio,
o objectivo é criar o estado de mente vazia, sem nenhum pensamento: a mente tem
que ficar em branco mantendo um estado de consciência alerta. É como um
vazio mental, mas não é estado de sono. É śūnya (vazio). Esta fase
conduz ao antar-mouna propriamente dito, e deve surgir quase
espontaneamente como resultado de ter praticado e aperfeiçoado os estágios
anteriores. Algumas vezes, podem aparecer frutos de repressões, mas os
pensamentos se tornaram quase insignificantes. Somente quando o 5º estágio é
alcançado com sucesso, se é orientado para a prática do 6º estágio, caso
contrário, a mente poderia se perder em laya (dissolução), inconsciência
ou sonolência.
O sexto estágio é consciência de um símbolo psíquico. Aqui, uma consciência
constante sobre o símbolo psíquico escolhido é necessária, e é importante
não trocar este símbolo por outro. Nesta fase, a pessoa pode deslizar para o
estado de dhāraṇā e alcançar o nível de dhyāna.
Benefícios do antar-mouna
Antar-mouna é uma poderosa ferramenta
psicológica com a qual nós aprendemos a entender e ser amigos de nossa mente,
das tendências e reacções que surgem em relação aos pensamentos. Isso ajuda-nos
a treinar a mente, focar a mente macaco
em um ponto, habilidade que muitos de nós não temos. Mais importante, nós
podemos aprender a desenvolver e fortalecer o draṣta ou a testemunha
interna, o observador de tudo o que acontece. Isso permite que surjam tensões
enraizadas, memórias dolorosas há muito esquecidas, medos, ódios e fobias de
uma maneira relativamente controlada e desta maneira nos tornamos livres de
tais problemas. A prática provê a base para limpar todo o lixo mental – esta é
a forma mental de śankhaprakṣalana.
Antar-mouna é útil especificamente
para erradicar o barulho mental e induzir um estado de paz, tranquilidade,
precisão e calma mental. Nós podemos considerar a prática como até mesmo uma
ferramenta para sair de um estado de escuridão e contracção para um estado de
consciência onde o ser é luminoso e expandido. Nós podemos transformar toda
nossa negatividade neste caminho. De um estado de ignorância ou negatividade,
nós podemos passar para um estado meditativo, uma posição neutra de não-acção,
não-envolvimento, apenas ser. Isso leva automaticamente a um estado de paz e
firmeza na mente, em contraste com o ordinário estado de oscilação ou vikṣipta.
Praticando na vida diária
Antar-mouna não deve ser considerado
como uma prática passiva é para ser feita sentado. Os 1º e 2º estágios são práticas
activas que podem ser incorporadas em todas as situações da vida diária.
Antar-mouna é uma das ferramentas mais úteis
para ajudá-lo a conhecer a si mesmo, seus lados escondidos, sua mente e ver
como você está reagindo às situações da vida, de uma forma clara e honesta.
Pode praticar o 1º estágio tanto quando estiver a entrar em zonas de muita gente,
lugar barulhento, uma estação de metro, como quando estiver a comer, a tomar
banho ou a vestir-se. Pratique o 2º estágio diariamente, sempre, em qualquer
situação reflectindo repetidamente na pergunta: o que eu estou pensando agora? Tornando-se alerta sobre o que se está a passar, sem se identificar com nada. Lembre-se: eu não sou estes pensamentos, eu não sou estas emoções, eu sou o
observador. Deste modo, o processo de testemunhar começa a tornar-se
automático, e isso lhe mostrará quem é, o que está fazendo aqui,
para aonde está indo, e como desenvolver seu potencial e atingir verdadeira paz
mental.
Quando a mente é
silenciosa e pacífica, ela se torna muito poderosa. Ela pode se tornar uma
receptora de felicidade e sabedoria tornando a vida um fluxo espontâneo e uma
expressão de contentamento e harmonia. No entanto, este silêncio interior não
pode se desenvolver se há um fluxo contínuo de pensamentos e emoções
perturbadas. Todo esse barulho interior de pensamentos e emoções tem de ser
removido antes de se poder verdadeiramente experimentar o profundo som do
silêncio interior.
Grato aos que publicaram este artigo e nos elucidaram com uma excelente descrição das técnicas meditativas. Bem haja
No Instituto de Medicina Ayurveda efectuamos desde Setembro de de 2017 práticas regulares de meditação todas as segundas feiras, mas nesta fase de pandemia estamos a fazer a meditação on-line 3x por semana
qualquer duvida contacte
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